sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Parte do ensaio de Norman Mailer - Birds and Lions - sobre escritores e a escrita

Just as we pay for the social insularity of Detroit engineers by having to look at the repetitive hump of their designs until finally what is most amazing about the automobile is how little it has been improved in the past fifty years, so literature suffers from its own endemic hollow: we are overfamiliar with the sensitivity of the sensitive and relatively ignorant of the cunning of the strong and the stupid. We remain one-it may be fatal-step removed from an intimate perception of the procedures of the corporate, financial, governmental, Mafia, and working-class establishments. Investigative journalism has taken us into the guts of the machine, but not far enough-we still do not have much idea of the soul of any inside operator... Of course, many a young writer has put himself in danger in order to pick up material for his writing, but, as a matter to make one wistful, not one major American athlete, politician, engineer, trade-union official, surgeon, airline pilot, chess master, call girl, sea captain, bureaucrat, mafioso, pimp, recidivist, physicist, rabbi, movie star, clergyman, priest, or nun has emerged as a major novelist since the Second World War. Novelists are oxymorons. They are sensitive and insensitive. Full of heart and heartless. You have to be full of heart to feel what other people are feeling. On the other hand, if you start thinking of all the damage you are going to do, you can’t write the book-not if you’re reasonably decent. (Of course, a malicious person might kick off the traces, and feel young and happy again at being so mean.) The point is that you are facing a true problem. Either you produce a book that doesn’t approach what really interests you or, if you go to the root with all you’ve got, there is no way you won’t injure family, friends, and innocent bystanders... There is a touch of writer’s block in almost every working day. It is part of the experience of writing. When you are faced with this situation, there is a tendency to force a continuation, but that can be equal to blowback. From its point of view, the unconscious has done its job. It’s damned if it’s going to give you any more right now. If you insist, flatness of affect will be your reward-nothingness, the dread antagonist. One of the most painful elements in the act of writing is to live so much of the day with that nothingness. It is why many talented men and women produce a good book or two, then stop. To deal on a daily basis with nothingness is vitiating. Writers who have been at it for decades often do not keep a vital inner life. ...Suppose the unconscious has a root in the hereafter which our conscious mind does not. If so, it will have deeper notions about death than we do. Let us then dare to surmise that the unconscious is on close, even familial, terms with that most elusive presence in the conscious mind-our soul. If that is the case, the unconscious will feel exploited by the novelist’s push to extract so much of its resources...

Primeira Fronteira

Para aqueles que ficaram curiosos, enquanto conversávamos de copo na mão, informo que o documentário A Primeira Fronteira, passa dia 5 de Dezembro, às 21h00, na RTP2. Podem ver um trailer aqui.

Texto da Branca

Uma turma, dois professores. Fiquei na metade do professor que não ganhou o prêmio. A colaboração inicial foi ganhando tons de cinza, até o ponto em que a disputa tornou-se evidente.

O sumiço de alunos foi o primeiro revés do Sem Prêmio. Ele, que aparentemente tinha saído na frente – dicção perfeita, contra um clássico engolidor de sílabas – foi perdendo a confiança a cada nova cadeira vazia. E foram muitas, todas em sua metade.

Creio que foi quando percebeu que até os Escritores Convidados (todos com prêmio, diga-se de passagem) só se referiam ao Engolidor de Sílabas que o pobre despremiado desesperou-se. Parece-me que não resistiu ao clichê “só há espaço para um jovem talento promissor nesta sala”.

Na mesma aula, aproveitou o já institucionalizado “momento do cigarro apenas para professores” (os alunos que fiquem escrevendo textos como este em apenas 10 minutos, no auge da abstinência de nicotina) para seu ato final. De dentro da sala, tudo o que ouvimos foi o Sem Prêmio a gritar: “não, não faça isso, já prometi não revelar a ninguém que você roubou de mim o seu romance premiado, Três Vidas”. Mesmo desconfiada da verossimilhança do diálogo, corri para o terraço, assim como todos os alunos.

Chegamos no clímax, com o Sem Prêmio caindo parapeito abaixo, o olhar de terror na face, os óculos do Engolidor de Sílabas entre seus dedos. Aquele que supostamente empurrou tinha mesmo sinais de luta no semblante, um arranhão no rosto, o cabelo - que costuma ser uma peça uniforme – até despenteado.

Ficou ali, atônito, inerte, pela primeira vez sem sílabas para engolir. Até hoje não proferiu palavra e aguarda a sentença do julgamento em prisão preventiva.

Acredito em sua inocência – e admiro o engenho do Sem Prêmio. Aposto que, ao roubar-lhe a condecoração em seu último ato, ainda pensou que esta seria a definitiva: afinal, o gênero dos romances de cárcere já deu o que tinha para dar.

Road trip a Penafiel

A pedido de muitas famílias, aqui fica o texto que o professor sem prémio, escreveu sobre o professor com prémio.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Três Arcos e o Arco Narrativo

TRÊS ACTOS e o ARCO NARRATIVO


Definição dos três actos:


- Exposição inicial (acto 1), introdução, apresentação das personagens, arredores e antecedentes da história, falha fundamental do protagonista. Situação de CRISE que leva ao CONFLITO (início do acto 2)

-Luke Skywalker conhece Obi-Wan Kenobi, que lhe diz que o seu pai foi morto por Darth Vader
-Dorothy e o cão, Toto, são apanhados num tornado e levados para a Terra de Oz
-O peixe gigante morde a linha do Velho que não pesca há 84 dias


-Acto 2: desenvolvimento e sucessivas complicações e obstáculos (com vários Plot Points, isto é, mini-crises que fazem avançar a história) que advém desse conflito, bem como a VIAGEM EMOCIONAL do(s) protagonista(s). A viagem emocional conduz ao clímax e ao final do acto 2, onde a história, uma vez mais, muda de direcção: irá o protagonista superar a sua falha e conseguir aquilo que quer? Dá-se o CLÍMAX da história.

Será que Luke Skywalker conseguirá destruir a Estrela da Morte e cumprir o seu destino?
Será que a Dorothy conseguirá roubar a vassoura à Bruxa Má que lhe permite ir para casa?
Será que o Velho conseguirá salvar o peixe de ser comido pelos tubarões e regressar à vila com o seu orgulho?


-Acto 3: O conflito inicial é resolvido, de maneira dramática, mostrando as mudanças no protagonista, que percorreu uma viagem emocional e um ARCO NARRATIVO. Unem-se as pontas soltas da história e temos evidência da mudança interior do protagonista.

-Luke Skywalker realiza-se como guerreiro Jedi e honra memória do seu pai
-Dorothy volta para casa nunca mais podendo esquecer a terra de Oz e os amigos que fez
-O Velho regressa, à beira do colapso, mas tendo recuperado a sua dignidade perante a vila de pescadores

Diálogos

DIÁLOGOS

a) Verosimilhança

b) Personagem

c) Sedução / Excesso

VEROSIMILHANÇA: O diálogo não pode ser artificial e sem vida, como um instrumento musical mal afinado. Não deve ser um substituto de uma descrição ou de uma narração. Diálogo revela carácter, não serve para passar informação.

“A chamada veio a meio da noite, três da manhã, e ia-nos pregando um susto de morte.

-Atende! Atende! – grita a minha mulher. – Santo Deus, quem é? Atende!

Acendo a luz, vou à casa de banho e o telefone continua a tocar.

-Atende! – berra a minha mulher do quarto. – Santo Deus, o que é que se passa, Jack? Não estou para aturar isto!”

Raymond Carver

“-O que viste dentro do poço?

- Nada…nada…a cor…queima…frio e húmido…mas queima…vivia no poço…vi-o…uma espécie de fumo…tal como as flores na Primavera passada…o poço brilhava à noite…tudo vivo…”

H.P.Lovecraft

PERSONAGEM: O diálogo tem de ser adequado à personagem, cada uma deve ter a sua voz própria. Criar mecanismos de identificação para cada personagem, através de tiques, repetições, frases chavão, e gostos. As personagens têm de falar verdade, não pode ser pergunta /resposta.

“Quando Donna chegou ao restaurante, havia apenas um homem sentado sozinho, numa mesa junto da janela.

-És o Checkers? – Donna estendeu a mão. – Sou a Donna.

Checkers levantou-se. Sorriu, apertou a mão de Donna, e sentaram-se.

-Achava que eras negra. – disse.

-Desculpa?

-Achava que eras negra. Donna. Pareceu-me um nome afro-americano. – Checkers encolheu os ombros. – Paciência.”

Kissing in Manhattan, David Schickler

SEDUÇÃO / EXCESSO: Um bom diálogo é uma conversa privada que queremos ouvir (prazer culposo). Um mau diálogo pauta-se pelo excesso de exposição e informação.

“-Bebemos mais um copo?

-Está bem.

O vento quente fez a cortina roçar na mesa.

-A cerveja está óptima e fresca – disse o homem.

-Sim – disse a rapariga.

-É uma operação muito simples, Jig – disse o homem. – Na realidade não chega a ser uma operação.

A rapariga olhou para o chão.

-Eu sabia que não te ias importar, Jig. Não vai ser nada. Passa num instante.

A rapariga não disse nada.”

Hart’s War, John Katzenbach

Pryce agarrou Tommy mais uma vez.

“Tommy”, murmurou Pryce, “não é uma coincidência! Nada é o que parece! Cava mais fundo! Salva-o, rapaz, salva-o! Neste momento, mais do que nunca, creio que Scott está inocente!...Agora é convosco, rapazes. E lembrem-se, conto convosco para superar a situação! Sobrevivam! Aconteça o que acontecer!”

Virou-se para os alemães. “Está bem, Hauptmann”, disse Tommy, súbita e extremamente calmo. “Agora estou pronto. Disponha de mim como quiser.”

Philip Roth, Goodbye Columbus

Narrador vai telefonar a Brenda, a rapariga que conheceu nessa manhã na piscina.

“A quem é que vais ligar?”, perguntou a minha tia Gladys.

“A uma rapariga que conheci hoje.”

“Foi a Doris que vos apresentou?”

“A Doris não me apresentaria ao gajo que limpa a piscina, tia Gladys”.

“Não sejas tão crítico. Uma prima é uma prima. Como é que a conheceste?”

“Não a conheci. Vi-a”.

“Quem é ela?”

“O apelido é Patimkin”.

“Não conheço nenhum Patimkin”, disse a tia Gladys, como se conhecesse alguém que pertencesse ao Clube de Campo de Green Lane. “Vais telefonar-lhe se nem a conheces?”

“Sim”, expliquei. “Vou-me apresentar.”

“Casanova”, disse ela, e continuou a preparar o jantar do meu tio.

Caixa de Ferramentas

CAIXA DE FERRAMENTAS

Vocabulário

-Não procurar palavras difíceis; a primeira palavra é geralmente a melhor (porquê dizer “corpo discente” quando podemos dizer “estudantes”? Não ornamentar o vocabulário: é como vestir um traje de gala a um animal doméstico.

-Cuidado com a linguagem coloquial ou transcrita foneticamente. “Que fixe!” ou “trim! Trim!” devem ser usados em circunstâncias particulares, personagens especiais, ou NUNCA.

-Cuidado com a VOZ PASSIVA. Podemos pensar que confere autoridade ou majestade à obra, mas é apenas cobardia. Porquê escrever “o corpo foi transportado por João” quando se pode escrever “João transportou o corpo”? O corpo não deve ser o sujeito da frase.
Exemplo 2: “Ela será sempre recordada por mim” (voz passiva) “Irei sempre recordar-me dela” (voz ACTIVA)

-As descrições devem fazer sobressair o diferente e não o geral. Exemplo: descrever um coelho só é interessante se ele tiver, por exemplo, um focinho azul. De resto, todos sabemos com que se parece um coelho, é inútil estar a descrevê-lo. Fazer sobressair o particular e não cansar o leitor com pormenores inúteis.

-Cuidado com as comparações. Evitar o cliché e as metáforas demasiado distantes da imaginação possível do leitor. Manter as comparações simples e evitar as redundâncias.

-Excesso de advérbios de modo dificulta a leitura e torna a prosa lenta e morosa. “Fluentemente”, “habilmente”, “lentamente”, etc

-As indicações de fala nos diálogos devem ser, com honrosas excepções, “disse”. “João disse”, “disse Pedro”, “disseram eles”. Outras indicações são de evitar, excepto se absolutamente necessárias (ex: “gritou”, “sussurrou”). Se o diálogo for bom, não é preciso escrever “advertiu” ou “ralhou” ou “silvou” ou “desferiu”

-O parágrafo é o motor da narrativa, não a frase: começar o parágrafo com um tópico e desenvolver esse tópico com narração, descrição, diálogo etc. As frases seguintes à primeira servem para a desenvolver e explicar. Não lançar tópicos inacabados em cada parágrafo, confunde o leitor. O objectivo do parágrafo é seduzir e acolher o leitor.