ANATOMIA DE UMA CENA: ENTRAR TARDE E SAIR CEDO
Charles Bukowski, Ham on Rye, p. 142:
“No dia seguinte tive sorte. Chamaram o meu nome. Era um médico diferente. Tirei a roupa. Ele apontou uma luz branca e quente na minha direcção e observou-me. Eu estava sentado na berma da mesa de exames.
-Hmmm, hmmmm, disse ele, uh huh…
Deixei-me estar sentado.
-Há quanto tempo é que tem isto?
-Há uns anos. Cada vez está pior.
-Ah hah.
Ele continuou a observar-me.
-Agora deite-se ali de estômago para baixo. Eu volto já.
Alguns momentos depois a sala estava cheia de gente. Eram todos médicos. Pelo menos vestiam-se e falavam como médicos. De onde teriam vindo? Eu julgava que quase não existiam médicos no hospital público de Los Angeles.
-Acne vulgaris. O pior caso que alguma vez vi em todos os meus anos de profissão!
-Fantástico!
-Incrível!
-Olhem o rosto!
-O pescoço!
-Acabei de examinar uma rapariga com acne vulgaris. Tinha as costas cobertas. Chorou. Perguntou-me: “Como é que alguma vez vou ter um homem? As minhas costas estão marcadas para sempre. Quero morrer!” E agora olhem para este rapaz! Se ela o pudesse ver, via logo que não tinha nada de que se queixar!
Seu idiota de merda, pensei, não percebes que eu consigo ouvir o que tu dizes? Como é que se chega a ser médico? Será que aceitam qualquer pessoa?
-Ele está a dormir?
-Porquê?
-Parece muito calmo.
-Não, acho que não está a dormir. Estás a dormir, rapaz?
-Sim.
Eles continuaram a fazer incidir a luz quente e branca em várias partes do meu corpo.
-Volta-te.
Voltei-me.
-Olhem, ele tem uma lesão no interior da bochecha!
-Bom, como é que vamos tratá-la?
-A agulha eléctrica, parece-me…
-Sim, claro, a agulha eléctrica.
-Sim, a agulha.
E assim foi decidido.
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