Ainda da segunda sessão, aqui fica O Coveiro (ideia do André) vista por António Brito
O Coveiro
1º Parágrafo
Foi uma vida a abrir valas para enterrar corpos. Fizesse chuva ou sol lá estava eu fazendo o impensável para a maioria das pessoas: enterrar gente. Sete palmos debaixo dos pés. Gostava. Uns preferem ser polícias, electricistas, corredores de automóveis, cantores. Eu quis uma profissão com futuro. Ser coveiro. Haverá sempre gente para enterrar. Ninguém é eterno, mais tarde ou mais cedo batem a bota e vêm ter comigo. Alguém virá bater-me à porta para abrir a cova e acomodar o novo inquilino. E lá vou. Vou sempre. Faço-o com gosto. Depois, os parentes pagam-me um copo na taberna, querendo com a mordomia manter a sepultura apresentável até ao desenterrar os ossos.
Mas há dois anos o impensável aconteceu. Depois desse dia chamaram-me todos os nomes. Nenhum deles bonito de ouvir. Internaram-me numa casa de alienados fazendo-me crer que era maluco, que uma pessoa com a cabeça no sítio nunca sentiria prazer em enterrar o filho. Mas eu senti. Não havia mais ninguém para abrir a cova, também não o teria permitido se houvesse. Era um trabalho meu. Entregaram-me o puto para enviar às minhocas, tenrinho, com nove anos. Vá, digam lá que mereci ser internado. É isso que estão a pensar. Mas eu tinha as minhas razões. O sacaninha só veio ao mundo porque a cabra da minha mulher foi para a cama com o Alfredo, o dono da mercearia. Uma foda dada na minha ausência no dia do funeral da Elvirinha, a velha professora. Enquanto eu abria a cova a puta abria as pernas ao merceeiro. Soube sempre que o puto não era meu.
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