quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Diálogos

DIÁLOGOS

a) Verosimilhança

b) Personagem

c) Sedução / Excesso

VEROSIMILHANÇA: O diálogo não pode ser artificial e sem vida, como um instrumento musical mal afinado. Não deve ser um substituto de uma descrição ou de uma narração. Diálogo revela carácter, não serve para passar informação.

“A chamada veio a meio da noite, três da manhã, e ia-nos pregando um susto de morte.

-Atende! Atende! – grita a minha mulher. – Santo Deus, quem é? Atende!

Acendo a luz, vou à casa de banho e o telefone continua a tocar.

-Atende! – berra a minha mulher do quarto. – Santo Deus, o que é que se passa, Jack? Não estou para aturar isto!”

Raymond Carver

“-O que viste dentro do poço?

- Nada…nada…a cor…queima…frio e húmido…mas queima…vivia no poço…vi-o…uma espécie de fumo…tal como as flores na Primavera passada…o poço brilhava à noite…tudo vivo…”

H.P.Lovecraft

PERSONAGEM: O diálogo tem de ser adequado à personagem, cada uma deve ter a sua voz própria. Criar mecanismos de identificação para cada personagem, através de tiques, repetições, frases chavão, e gostos. As personagens têm de falar verdade, não pode ser pergunta /resposta.

“Quando Donna chegou ao restaurante, havia apenas um homem sentado sozinho, numa mesa junto da janela.

-És o Checkers? – Donna estendeu a mão. – Sou a Donna.

Checkers levantou-se. Sorriu, apertou a mão de Donna, e sentaram-se.

-Achava que eras negra. – disse.

-Desculpa?

-Achava que eras negra. Donna. Pareceu-me um nome afro-americano. – Checkers encolheu os ombros. – Paciência.”

Kissing in Manhattan, David Schickler

SEDUÇÃO / EXCESSO: Um bom diálogo é uma conversa privada que queremos ouvir (prazer culposo). Um mau diálogo pauta-se pelo excesso de exposição e informação.

“-Bebemos mais um copo?

-Está bem.

O vento quente fez a cortina roçar na mesa.

-A cerveja está óptima e fresca – disse o homem.

-Sim – disse a rapariga.

-É uma operação muito simples, Jig – disse o homem. – Na realidade não chega a ser uma operação.

A rapariga olhou para o chão.

-Eu sabia que não te ias importar, Jig. Não vai ser nada. Passa num instante.

A rapariga não disse nada.”

Hart’s War, John Katzenbach

Pryce agarrou Tommy mais uma vez.

“Tommy”, murmurou Pryce, “não é uma coincidência! Nada é o que parece! Cava mais fundo! Salva-o, rapaz, salva-o! Neste momento, mais do que nunca, creio que Scott está inocente!...Agora é convosco, rapazes. E lembrem-se, conto convosco para superar a situação! Sobrevivam! Aconteça o que acontecer!”

Virou-se para os alemães. “Está bem, Hauptmann”, disse Tommy, súbita e extremamente calmo. “Agora estou pronto. Disponha de mim como quiser.”

Philip Roth, Goodbye Columbus

Narrador vai telefonar a Brenda, a rapariga que conheceu nessa manhã na piscina.

“A quem é que vais ligar?”, perguntou a minha tia Gladys.

“A uma rapariga que conheci hoje.”

“Foi a Doris que vos apresentou?”

“A Doris não me apresentaria ao gajo que limpa a piscina, tia Gladys”.

“Não sejas tão crítico. Uma prima é uma prima. Como é que a conheceste?”

“Não a conheci. Vi-a”.

“Quem é ela?”

“O apelido é Patimkin”.

“Não conheço nenhum Patimkin”, disse a tia Gladys, como se conhecesse alguém que pertencesse ao Clube de Campo de Green Lane. “Vais telefonar-lhe se nem a conheces?”

“Sim”, expliquei. “Vou-me apresentar.”

“Casanova”, disse ela, e continuou a preparar o jantar do meu tio.

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