terça-feira, 17 de novembro de 2009

Texto, Miguel Magalhães

Todos os Invernos se repete o mesmo ritual. De entre os homens, aqueles que se encontram desocupados seguem o Zeca, o mais novo dos três tios ainda vivos. Atravessam a quinta até ao coberto onde se encontra o enorme “canhoto” que terá sido cortado nas vésperas e que ficará a arder desde a consoda até ao dia dos reis.
Recordo de quando era criança e ficava sempre impessionado com o tamanho do tronco que, em conjunto, conseguíamos fazer rolar pelo corredor até à cozinha grande. “Empurra daí”, “mais para a esquerda”, “não deixes bater na porta”... e lá ia ele, sempre rolando até ao seu sítio, como se só lhe tivésemos de indicar o caminho.
O riso inconfundível dos tios, duas gerações acima da minha imprime ancestralidade à tradição, e as sonoras gargalhadas do cardume de crianças que orbita sempre em redor do acontecimento, lembra a tranquilidade que a vida pode e deve ter.
Todos sabemos que à noite seremos muitos, sempre a rondar os 50. Que se comerá polvo e bacalhau e que, no final, haverá presentes: embrulhos, brinquedos e boa disposição. Também todos sabemos que aquele velho e enorme tronco, que demorou dezenas de anos a ficar deste tamanho, irá arder dentro da lareira aquecendo-nos noite fora, daqui até ao dia dos reis.

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