DINASTIA MING
A dinastia Ming é, como todos sabemos, uma dinastia com um nome ridículo. Mas fácil de dizer. Tudo começou há largos milhões de tempos atrás, num sítio abençoado pelos deuses e amaldiçoado também pelos deuses. (Naquela altura os deuses mandavam em tudo, mas - verdade seja dita - eram muito indecisos). Um dia, cansados de tantas indecisões, os deuses tomaram - finalmente! - uma medida. Acabar com a fome? Acabar com a guerra? Fazer do Benfica campeão? Nada disso. A decisão única e que alteraria o rumo da História mundial foi a de criar uma dinastia. Isso mesmo, uma dinastia. Meteram mãos à obra e, durante mais de muitos milhões de tempos, entreteram-se na sua construção. Depois de todo este trabalho, encostaram-se nas nuvens e deixaram-se adormecer. Até hoje. Como o mundo não parava, os humanos olharam para aquela dinastia e decidiram dar-lhe um nome. "Ora bem, que nome vamos dar a esta dinastia que perdurará para todo o sempre?", perguntou o director da dinastia (um director eleito para uma dinastia sem nome). "E que tal dinastia Ming? É um nome curto, fica no ouvido e, daqui por uns anos, até dá para fazer um franchising", respondeu o criativo. O director pensou e respondeu com um assombroso "Não!", "Esse nome é horrível, pequenino e não tem estilo nenhum". O criativo, que já estava chateado que chegue por ter sido contratado para uma dinastia que não tinha nome, levantou-se da cadeira, deu um murro na mesa e outro no director. O director começou a chorar, chamou pela mãe, ela não veio, e atirou-se da janela. Felizmente estava no décimo oitavo andar - quer dizer, felizmente para o criativo, que deixou de ter opositores. Mesmo assim, ainda teve de pagar o reparo da janela e o tampo da mesa, o que não impediu o nascimento da dinastia Ming. O criativo casou com a mãe do ex-director - que tinha chegado atrasada - e viveram felizes para sempre. Pelo menos enquanto os deuses estiverem a dormir.
CASA DA MINHA AVÓ
Tem quatro paredes, um telhado e mil recordações. Lá fora, um caminho de terra segue para a mata que toca com as pontas do verde nos muros da casa. De um lado, um terreno de cultivo com árvores de fruto e legumes por nascer. Do outro lado, um monte de areia que sobe pelo muro do galinheiro. Um portão vermelho de ferro, um canteiro de flores e vinte e quatro janelinhas ao longo da parede de entrada. Cá dentro, duas bicicletas encostam-se à parede da Casa dos Sacos - um parque de diversões de velharias: balanças, caixotes, baldes, cadeiras, mesas, vasos, candeeiros e sacos, muitos sacos. O pátio de pedra desce ligeiramente em direcção ao poço de água - sempre esteve tapado, afinal, de onde poderia eu roubar ameixas daquela árvore? Ao lado do poço, uma porta com uma carpintaria lá dentro e ainda uma garrafeira dezassete degraus abaixo. O chão está frio - sempre esteve frio - e a corda que pendura a roupa ainda é a mesma. A roupa é que não. A minha avó agora apenas existe nas peças de dominó escondidas no armário - na terceira prateleira do lado esquerdo, ao fundo, debaixo dos casacos e atrás das camisolas de lã -, nos blocos de papel debaixo do telefone, nas bolachas Maria com manteiga, na ponta do sofá junto à lareira, nas fotografias penduradas ao lado da porta do quarto de hóspedes. E, claro, na máquina de costura junto à televisão. Ao fundo do corredor, a casa de banho. Pequenina. A mesma madeira do chão leva a um quarto, à cozinha e a uma sala utilizada apenas em dias de festa. Tudo continua na mesma. As coisas não mudaram de sítio. Nem as recordações. Tem um telhado e quatro paredes. É a casa da minha avó.
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