terça-feira, 10 de novembro de 2009

Primeiros parágrafos de Midlessex

Midlessex
Nasci duas vezes. Primeiro, como uma menina, num memorável dia sem nevoeiro em Detroid, em Janeiro de 1960; e depois outra vez, como um rapaz adolescente, nas Urgências de um hospital perto de Petoskey, Michigan, em Agosto de 1974. Leitores especializados podem ter-se cruzado comigo no estudo do doutor Peter Luce “Identidade de Género nos Pseudohermafroditas 5-Alpha”, publicado no “Jornal de Endocrionologia Pediátrica”, em 1975. Ou talvez tenha visto a minha fotografia no, agora tristemente ultrapassado, “Genética e Hereditariedade”. Sou eu, na página 578, sem roupa, ao lado de uma tabela de pesagem, com um rectângulo negro a cobrir-me os olhos.
O meu certificado de nascimento diz Calliope Helen Stephanides. A minha carta de condução mais recente (da República Federal Alemã), mostra o meu primeiro nome apenas como Cal. Sou ex guarda-redes de hóquei em gelo, membro de longa data da Fundação Salvem as Vacas Marinhas, raro frequentador da litúrgia ortodoxa grega e, durante a maior parte da minha vida de adulto, funcionário do Departamento de Estado norte-americano. Como Tiresias, fui primeiro uma coisa e depois outra. Fui ridicularizado por colegas de turma, usado como cobaia por médicos, apalpado por especialistas, e investigado pela instituição March of Dimes. Uma ruiva de Grosse Pointe, apaixonou-se por mim, não sabendo aquilo que eu era. (O irmão dela também gostava de mim). Um tanque do exército levou-me para uma batalha urbana; uma piscina transformou-me num mito; abandonei o meu corpo a fim de ocupar outros – e tudo isto aconteceu antes de fazer dezasseis anos.

Sem comentários:

Enviar um comentário